Entrevista (Segunda Parte)

Fernando Terra Manzan

Este é um assunto relativamente antigo e gerador de muita polêmica, porém divido a história em antes e depois do aparecimento da internet.

Vamos voltar algumas décadas, quando uma respeitada associação norte americana concedeu um FCC, uma das maiores premiações qualitativas concedidas a uma orquídea, para a então Cattleya walkeriana semi-alba "Kenny". Após isso, mesmo tendo pouquíssima semelhança morfológica à espécie em questão, foi trazida ao Brasil e difundida por diversos colecionadores e produtores brasileiros, então conhecedores desta endêmica espécie brasileira.

Muitos colecionadores da época, mesmo convivendo com a Cattleya walkeriana em seu habitat e conhecendo a fundo a espécie, impulsivamente pagaram uma verdadeira fortuna por ela e acabaram nem analisando morfologicamente a planta ao comprarem, cultivaram durante anos e com o aparecimento da internet tudo ficou explícito. Hoje qualquer colecionador da Cattleya walkeriana, mesmo iniciante, enxerga facilmente a hibridação e as diferenças morfológicas entre uma Cattleya walkeriana e a Cattleya "Kenny".

Os anos passaram e, inocentemente ou mesmo de forma dolosa, muitas destas plantas foram sendo retrocruzadas com matrizes puras, muitas vezes com plantas nativas e todo esse processo fez com que os híbridos fossem ficando cada vez mais semelhantes morfologicamente com a Cattleya walkeriana, o que muito complicou a situação dos colecionadores e produtores.

Mesmo com a ferramenta da internet, o imediatismo e a omissão na busca pelo conhecimento talvez tenham sido os maiores problemas neste processo e muitos colecionadores guiaram suas coleções quase que exclusivamente para algumas linhagens classificadas como suspeitas e com isso a disseminação destas foi inevitável.

Atualmente ainda nos deparamos com grandes problemas como a busca a qualquer preço pelo melhoramento da forma técnica da Cattleya walkeriana usando híbridos como a famosa Laeliocattleya "Aloha Case".

A incessante busca pelo conhecimento ainda é a maior arma contra esse tipo de problema, pesquisar e conhecer um gênero ou uma espécie antes de iniciar o cultivo é fundamental. Conviver com cultivadores mais antigos e saber ouvir e filtrar seus relatos acrescenta muito, buscando informações sobre o achado de matrizes nativas, bem como da verdadeira genealogia dos cruzamentos.

Buscar informações sobre orquidários idôneos e especializados na espécie minimiza bastante futuras desagradáveis surpresas, pois como digo sempre, só existem produtores dispostos a fazerem o errado enquanto existirem compradores dispostos a pagarem pelo erro.


Certamente o maior desafio de todo orquidófilo na manutenção das suas orquídeas é criar um ambiente totalmente favorável ao cultivo, com luminosidade, temperatura e umidade controladas.

O cultivo de várias espécies de diferentes gêneros contribui bastante para não se conseguir criar este ambiente, por isso é muito importante escolher espécies, mesmo que diferentes gêneros, com necessidades semelhantes, principalmente com relação a luminosidade e umidade.

O Brasil é um país enorme e possui regiões com grandes diferenças climáticas, por isso devemos lembrar que o cultivo estabelecido em localidades como por exemplo no estado de Minas Gerais, certamente não terão o mesmo resultado se adotado em regiões do sul do país. Por isso é muito importante conhecer bem o clima a sua região e a partir daí, estabelecer uma linha de cultivo e ter o controle dos fatores citados acima.


A evolução da orquidofilia está diretamente ligada à evolução da biotecnologia e da genética.

Na década de 70, quando alguns orquidários comerciais iniciaram no processo de produção de espécies, pouco se conhecia sobre genética. Os cruzamentos eram todos feitos de forma empírica, sem muita análise das matrizes, dos seus resultados, até porque não haviam e, principalmente, da sua genealogia.

De certa forma a orquidofilia ainda busca resultados de forma empírica, porém o conhecimento prático obtido ao longo destas duas últimas décadas ensinou bastante sobre o potencial genético e, principalmente, sobre a genealogia de cada matriz, visando o melhoramento da forma técnica como o da produção de variedades com forma técnica superior. Um exemplo clássico e atual é o uso de plantas típicas recessivas em cruzamentos, visando o melhoramento da forma técnica das variedades.

A biotecnologia também está em constante evolução, basta lembrarmos que há pouco mais de duas décadas, da semeadura de uma cápsula até a floração das primeiras plantas do lote semeado levava-se de cinco a sete anos, algumas vezes até mais, sendo que atualmente, com o aparecimento de novas tecnologias desenvolvidas para o cultivo ?in vitro?, reduziu-se esse tempo quase pela metade, com plantas iniciando a floração entre 3 e 4 anos.

A biotecnologia também tem ajudado bastante, através das análises de DNA, a desvendar mistérios relacionados à hibridação em espécies, especialmente com a Cattleya walkeriana, que apesar de estar em uma fase inicial, estes estudos já norteiam o seguimento e em um futuro próximo deixará a orquidofilia bem mais transparente.


O mercado de orquídeas de coleção é um pequeno nicho em ascensão, onde o número de cultivadores ainda não corresponde ao surgimento dos milhares de novos cruzamentos despejados anualmente neste mercado.

Grande parte dos comerciantes, ainda bastante inexperientes, cruzam plantas aleatoriamente, sem qualquer critério, sequer conhecem ou dão importância à genealogia das matrizes utilizadas, o que não significa que não terão sucesso, porém minimizam bastante as chances de bons resultados e muitas vezes não identificam os acertos. 

Muitos destes comerciantes não entram no mercado por paixão e acabam contribuindo cada vez mais com a atual desorganização genealógica e genética que se encontra a espécie. 

Todo exposto acima acaba dando uma falsa impressão de mercado saturado, porém o mercado consumidor está mundando e boa parte dele é atraído não mais exclusivamente pelo preço, mas principalmente pela qualidade do produto, como também pelo comprometimento e, principalmente, pelo conhecimento e honestidade dos produtores. Certamente, muitos aventureiros que buscam apenas lucrar de forma fácil e rápida, serão retirados do mercado pelo próprio consumidor.

O público consumidor, além de estar bem mais atento à genealogia, também tem se preocupado muito em conhecer a genética das matrizes, analisando resultados e buscando plantas que produzirão melhores resultados. Diante disso, os produtores certamente precisarão além de muita paixão, muito conhecimento, muita dedicação e, principalmente, muita honestidade para satisfazerem as exigências do mercado consumidor.


Através de milhares de novos cruzamentos lançados anualmente no mercado, diversas excelentes matrizes surgirão e muitas destas farão história não só como matrizes em novos cruzamentos, mas também recebendo diversas premiações em diferentes exposições, sendo destaque em todo país e inclusive no exterior. Estas matrizes certamente terão seus valores mantidos e permanecerão em destaque entre colecionadores e produtores, dessa forma a única maneira de ter uma destas matrizes seria através da aquisição de divisões das mesmas.

Diversas matrizes nativas também são únicas, algumas vezes exclusivas e para tê-las nas coleções apenas através da aquisição de divisões.

Diante do exposto acima, o investimento em divisões de matrizes é um excelente negócio, porém dependerá muito do interesse do comprador, se deseja especificamente uma determinada matriz ou apenas uma planta de qualidade.

O crescimento de mercado da Cattleya walkeriana se deu por volta do ano 2000 e alguns fatores contribuíram para este fato, mas acredito que o principal fator seja o melhoramento técnico das plantas, que por sua vez acaba atraindo mais e mais adeptos.

A princípio, esse crescimento acelerado e desorganizado do mercado da Cattleya walkeriana remete à vulgarização da espécie, principalmente ao analisarmos a quantidade de produtores totalmente inexperientes que aparecem anualmente. Por outro lado, produtores realmente comprometidos com o mercado investem conhecimento, dinheiro e tempo em todo esse processo e acabam, de certa forma, estabilizando o mercado.

Não só no mercado de orquídeas, mas em qualquer outro seguimento, as pessoas precisam ter paixão pelo que fazem, a atividade deve fazer com que a pessoa durma pensando em acordar o mais rápido possível para voltar a trabalhar.
Riscos existem em todos os seguimentos, principalmente em um mercado desregulado como esse, mas certamente os produtores que realmente amam o que fazem e dedicam parte do seu tempo em conhecer e produzir estas plantas de forma consciente, além de se comprometerem de forma honesta com seus clientes, sempre terão lugar de destaque.


Acredito que esse seja um dos mais graves, senão o mais grave problema relacionado a matrizes, especialmente da Cattleya walkeriana.

Infelizmente muito se perdeu ou fez-se perder ao longo do tempo, especialmente por conta da vaidade do orquidófilo na busca por encontrar na natureza uma planta de qualidade ou mesmo ter uma planta de boa qualidade resultante de um cruzamento feito por ele. Tudo isso alterou substancialmente a verdadeira história de várias matrizes.

Com o aparecimento da internet as coisas mudaram, as informações começaram a chegar com maior rapidez e a análise de dados e fatos também passou a ser feita de forma mais rápida e eficiente.

Um exemplo claro da vaidade citada acima é o da Cattleya walkeriana tipo "Loboda", que mesmo possuindo características bem marcantes, teve seu nome alterado diversas vezes. Foi rebatizada como Faceira, Nomura, Rainha do Prado, Jungle Queen no Japão e inclusive outros nomes atuais mesmo após o aparecimento da internet. Devido a estas características tão peculiares, com a divulgação de suas florações com outros nomes na internet, ficou fácil estabelecer um comparativo e concluir que se tratavam de uma mesma matriz rebatizada.

Um exemplo diferente e mais atual seria o da Cattleya walkeriana tipo "Capelinha", que por imprimir bastante suas características morfológicas, tanto na floração como no vegetativo de seus descendentes, acaba facilmente confundida e muitas vezes estes descendentes sendo tratados e negociados como a matriz original.

Acabar com esse problema não é fácil, mas todo e qualquer fato relacionado a matrizes deve ser arquivado, aos poucos deve ser pesquisado, utilizando diferentes e confiáveis fontes de pesquisa, alterando dados caso necessário e, dessa forma, na maioria dos casos, chegaremos ao fato verídico sobre o achado de matrizes nativas ou mesmo sobre genealogias.

A divulgação de dados e estudos relacionados deve ser amplamente compartilhado, e mesmo havendo divergências, é a mellhor forma de mantê-los públicos, diminuindo a chance de problemas dessa natureza.

Por último o mercado consumidor deverá exigir a correta e a verdadeira genealogia de matrizes, assim como a história destas quando nativas, sempre observando características que comprovem a sua originalidade, para que estes dados possam ser repassados quando divisões de uma destas matrizes forem repassadas ou mesmo para serem utilizados na genealogia de cruzamentos elaborados com elas.