Entrevista (Primeira Parte)
Fernando Terra Manzan
Iniciando uma nova série com perguntas de amigos e clientes que farão parte de uma entrevista que estará disponível na íntegra em uma futura publicação impressa, como também aqui na seção Institucional do nosso site.
Desde pequeno adorava plantas, sempre tive paixão por palmeiras e logo que meu pai comprou uma pequena fazenda na região de Santa Rosa, distrito de Uberaba (MG), desbravando rios e cachoeiras para nadar passei a conviver com algumas espécies de orquídeas, especialmente com a Cattleya walkeriana.
Na época de floração passei a retirar algumas plantas aleatoriamente e amarrar em árvores na chácara onde morei com minha mãe até me casar, além da Cattleya walkeriana, lembro de achar bastante Catasetum fimbriatum, Encyclia argentinensis, Schomburgkia crispa e Sophronitis cernua.
Mas começei a cultivar mesmo em 1993, ao ver uma destas walkerianas em flor em uma mangueira logo na entrada da chácara, e foi então que a retirei, replantei em um vaso de xaxim e a coloquei em uma antiga estufa onde minha mãe colocava suas samambaias e outras plantas, ali fiz meu primeiro orquidário.
E foi assim, aquela pequena planta agarrada à mangueira, exalando um doce e marcante perfume, me fez apaixonar pela Cattleya walkeriana, e diferente da grande maioria dos orquidófilos daquela época, iniciei cultivando esta espécie.
Cultivo orquídeas há mais ou menos 25 anos, porém apenas em 2003, ou seja, 10 anos após iniciar no cultivo, fiz meus primeiros cruzamentos exatamente por não existir naquela época a disponibilidade e a diversidade de bons cruzamentos para comprar.
Sempre gostei muito de estudar e escrever sobre orquídeas, e em 2001 criei o blog Orquídeas terra, onde compartilhava textos sobre cultivo, espécies e fotos das florações das minhas matrizes. Em 2003 criei a nossa logo e junto criei o site, a princípio apenas para a divulgação como no blog, porém de forma mais organizada, com a cara da marca, com endereço e marca registrados, mas sem venda vinculada a uma loja virtual.
Com a criação do site surgiram inúmeros pedidos de divisões de matrizes e sugestões de cruzamentos, e acredito que esse tenha sido o ponto de partida para o início das vendas.
A paixão que alimento pelas orquídeas é muito maior que o lado comercial e, certamente, foi e continua sendo a minha maior motivação para adentrar e permanecer na área comercial, pois acredito que comercializar sem ser um apaixonado é impossível em qualquer área, principalmente em um mercado tão desregrado e informal como o da orquidofilia.
Vejo comerciantes venderem plantas raras e únicas por qualquer quantia, sem dar o mínimo valor a uma exclusividade ou a uma raridade. Algumas plantas mais raras ou exclusivas, não comercializo divisões, e as mantenho exclusivamente na coleção, e as que são para comercialização, não venderia planta alguma sem ter pelo menos um vaso restante em minha coleção.
Hoje produzo exclusivamente o que eu gostaria de ter na minha coleção e sempre digo aos meus amigos e clientes que eles compram o que produzo e quero para mim.
Seria impossível e, inclusive, injusto citar apenas uma, pois passei por vários momentos de muita alegria na orquidofilia.
Poder estar em contato diário com a natureza, contato que lava a alma, descarrega os pensamentos e nos coloca em um mundo onde os sonhos se realizam através das florações certamente é uma das maiores.
Não posso deixar de dizer que a orquidofilia me deu grandes amigos, amigos de verdade e que guardarei por toda vida.
Mas acredito que a principal foi a de me encontrar profissionalmente, unindo o apaixonado colecionador ao insaciável produtor. É emocionante olhar para trás e ver toda caminhada, sentir o carinho e o orgulho de alguns amigos e familiares ao falarem sobre toda essa trajetória.
Após 15 anos produzindo milhares de plantas e selecionando resultados anualmente, acaba sendo impossível estabelecer como predileto apenas um resultado de cruzamento.
O cruzamento T-0061, feito entre as albas nativas "Rainha da Canastra" e "Marina", certamente foi o primeiro a me surpreender, pois nunca imaginei em uma primeira geração de nativas ter a floração de uma planta como a alba "Aurora Boreal" TE, um salto enorme e acabou se tornando um ícone da espécie exatamente por se tratar de uma matriz de extrema qualidade, comprovadamente sem contaminantes. Apesar de uma pequena porcentagem de plantas realmente melhoradas terem resultado desse ítem, a grande maioria floresceu com qualidade bem inferior à qualidade das matrizes.
O ítem T-0181 também acabou se tornando destaque no meio ao resultar em excelentes vinicolores, tais como as vinicolores "Midas" TE e "Transcendental" TE. Este cruzamento aproximou bastante a forma técnica das vinicolores à forma das variedades coerulea e tipo, até então de qualidade muito superior.
Já na segunda geração de albas, os cruzamentos T-1000 e T-1001 resultaram em plantas de muito boa qualidade, com destaque para um excelente resultado do cruzamento T-1001, batizado como Cattleya walkeriana alba "Deusa da Luz"TE, e que conseguiu manter todas as boas características da alba "Aurora Boreal"TE, unindo a características muito importantes da alba "Inverno" TE, como a excelente planicidade e o posicionamento perfeito das sépalas.
Os cruzamentos e os seus resultados são como filhos, impossível ter preferência por um ou por outro, porém a medida que resultados onde a melhora da forma técnica de variedades ainda não tão avançadas ocorre, estes acabam tendo maior destaque.
Realizar um cruzamento não é simplesmente pegar uma planta e cruzá-la com outra, precisa muito conhecimento e, principalmente intuição.
Não só eu, como todos os produtores de orquídeas selecionadas, assim como os produtores de gado de elite e outros mais, divulgamos grande parte dos resultados de sucesso, até porque como são mais raros, faltaria tempo para divulgar os resultados ruins e isso acaba dando a falsa impressão de obtermos apenas bons resultados.
Por outro lado, realmente alguns cruzamentos, principalmente utilizando algumas matrizes específicas, produzem uma maior porcentagem de resultados de sucesso, e isso passamos a conhecer com o tempo, através de muito estudo e muita observação.
Partindo pelo lado prático, os cruzamentos são elaborados à partir da observação e, principalmente, do conhecimento de características dominantes repassadas por cada matriz e a partir destas análises buscamos resultados que somem as melhores características das matrizes cruzadas.
Hoje, após 25 anos de cultivo e 15 anos de produção, ainda me surpreendo com resultados inesperados, tanto os bons e inimagináveis, como os ruins e muitas vezes decepcionantes.
Inicio minha resposta dividindo os cultivadores da Cattleya walkeriana em duas vertentes bem distintas. A primeira dos realmente apaixonados pela espécie, que independente de qualquer coisa lutam por ela e para mantê-la intacta na sua integridade. Já a segunda vertente é a dos cultivadores que gostam de orquídeas em geral, porém preocupados acima de tudo com a forma técnica (qualidade) das flores.
A Cattleya walkeriana veio evoluindo desde a década de 70 e muitas variedades, principalmente a forma típica, sofreram um grande salto. Produtores principalmente dos Estados Unidos e Japão, de olho nesse mercado em ascensão, iniciaram o melhoramento utilizando outras espécies.
No final da década de 90 muitas destas matrizes retrocruzadas com outras espécies estavam disseminadas no Brasil, então maior mercado consumidor da espécie, e antigos colecionadores desta primeira vertente, detentores de grande parte destas matrizes nativas e históricas, iniciaram novos cruzamentos exclusivamente entre elas, visando obter matrizes "puras" e tecnicamente tão boas ou até melhores que as produzidas no exterior de forma suspeita.
Após analisarmos centenas de resultados de cruzamentos elaborados entre matrizes nativas ou no máximo entre resultados de uma primeira geração de nativas, ficou claro todo potencial destas plantas, que acima de tudo melhoram sem descaracterizar a espécie.